domingo, 3 de outubro de 2010

A galinha e o ninho*

A expressão mãe galinha é fascinante. Principalmente quando já observámos a dita cuja em acção. De facto podia ser mãe loba, mãe leoa, mãe égua ou mesmo mãe golfinha, mas a verdade é que todas as progenitoras, nos primeiros tempos de vida das crias, não as largam nem um bocadinho. E a nossa espécie não é excepção. No entanto, quem quer ficar mais um tempinho a cuidar da cria humana, é chamada mãe-galinha....

O que eu acho engraçado é que, numa sociedade em que até há bem pouco tempo as mães ficavam em casa para cuidar dos filhos, se tenha passado para o oposto tão dramaticamente e sem dó nem piedade. Por exemplo, se uma pessoa até pensa que é correcto amamentar em exclusivo até aos 6 meses de vida, além de ser apelidada de louca, é impedida pela lei que só permite que as mães tenham 120 dias de licença de maternidade (paga a 100%). Vão me dizer que agora a lei mudou e que vai até aos 6 meses. Puro engano de quem não aprofundou a coisa: só há essa hipótese se receber apenas 80% do vencimento e partilhar a licença com o pai, que se contentará a dar o leite do bebé que a mãe tirar com a máquina e congelar.

E a licença de amamentação? Outra aventura! São 2 horitas por dia até a criança perfazer 1 ano, mas que quase ninguém goza porque os patrões e chefes não vêem com bons olhos a "colaboradora" chegar mais tarde e sair mais cedo durante esse tempo. O abuso....
Eu até encontrei uma solução que, no meu entender, beneficiava toda a gente: 4 dias a trabalhar a tempo inteiro e juntava as 8 (!) horas devidas à amamentação num dia só, o que permitia uma grande liberdade para tratar de assuntos diversos, ir ao médico com o petiz, dar uma limpeza na casa, enfim, o que tinha de ser feito quando não se tem empregada e os 2 dias do fim-de-semana não dão para tudo. Pois... durou uns meses. Aquando da renovação do contrato foi posta a questão "ou deixa essa história, ou o contrato não é renovado". O que se há-de fazer? A malta não vive só com 1 ordenado! Lá se enfiou um direito pelo cano e puxou-se o autocolismo.

É claro que não estamos mal, considerando outros países no resto do mundo (http://en.wikipedia.org/wiki/Parental_leave#Europe). De reparar que nos Estados Unidos da América, a licença de maternidade é 0 (zero) semanas.

No entanto, há os antípodas que são os nossos vizinhos europeus:
- Republica Checa - 2, 3 ou 4 anos de licença de maternidade, paga 100%;
- Áustria - 1 a 3 anos, paga 100%;
- Eslováquia - 3 anos, acrescido de mais 3 se a criança for deficiente. O estado paga 256€ por mês nos primeiros 2 anos, passando a 164,22€ daí em diante;
- Suécia e Noruega - 16 meses de licença paga, obrigatório que no mínimo 2 desses meses sejam gozados pelo progenitor minoritário (grosso modo, o pai);
- Estónia - 18 meses de licença paga;
- Bulgária - 1 ano de licença paga a 100%, o 2º ano pago ordenado mínimo;
- Eslovénia - 1 ano de licença paga a 100%;
- Dinamarca - 52 semanas (13 meses) mas 2 semanas têm de ser gozadas pelo pai;
- Reino Unido - 52 semanas (13 meses) de licença de maternidade ou adopção, das quais 39 semanas (cerca de 10 meses) pagas na totalidade e o restante tempo segundo uma taxa fixa.
- Irlanda - 6 meses pagos a 100%.

Eu disse que não estavamos mal, mas como eu acho que nos temos sempre de comparar com o que é melhor e não o contrário, então acho que podíamos estar bem melhor.
Claro que há sempre o argumento de que há nesta lista países com impostos muito superiores, que há outros países desenvolvidos (Alemanha e Holanda, por ex.) que têm o mesmo tempo de licença de maternidade que nós. E eu pergunto: eles estão contentes com isso?
Basta ver o que se passa na Alemanha para perceber que não (http://www.time.com/time/world/article/0,8599,1991216,00.html).

Com o estado das coisas em Portugal, ou seja, aumento de impostos e supressão de "abono de família" para quem, como nós, se situa miraculosamente nos escalões mais altos da Segurança Social (embora tenhamos IRS com apenas 1 a receber), então acho que só quem se safa são os mais ricos e os mais pobres, uns porque não precisam dos subsídios, os outros porque têm fracas noções de controlo de natalidade e recorrem a vários subsídios que os vão conseguindo manter à superfície. Creio que muito em breve a situação demográfica por cá também comece a entrar num estado crítico.

Então a classe média, como é que fica? Nos 1.5 filhos por família, a tentar desenrascar e esticar o único ordenado certo que entra em casa todos os meses, e a lamentar que esse mesmo ordenado não dê para que a mãe fique em casa com a cria e a tenha de deixar aos cuidados de avós e creches.

Podemos não ser galinhas, mas não somos exemplo para mais nenhuma espécie.

*desabafo de quem vai levar o filho pela primeira vez à creche, amanhã.

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